No final de janeiro, uma muralha de 7,2 metros de altura começou a ser construída na frente da praia de Nobiru, um dos balneários mais bonitos do Japão antes do terremoto seguido de tsunami que devastou o norte do país.
Situada na cidade de Higashimatsushima, essa praia recebia cerca de 1,1 milhão de turistas no verão em seus hotéis e restaurantes.
Hoje é um imenso vazio coberto de areia e grama. Por decisão do governo, nada será construído por ali, com exceção de duas gigantes barreiras marítimas.
Pela maior parte da costa das três províncias afetadas pelo tsunami –Fukushima, Miyagi e Iwate– estão sendo erguidos centenas de muros semelhantes. A iniciativa já ganhou o apelido de "a grande muralha do Japão".
O custo é estimado em 1 trilhão de ienes (US$ 8,2 bilhões), mas o governo japonês não divulga o tamanho total das diversas muralhas somadas, alegando que cada município tem poder de decisão sobre a construção ou não da barreira.
Apesar de a barreira em muitos pontos ter a altura inferior às ondas que atingiram o país há quatro anos, o objetivo da iniciativa é minimizar as perdas de vidas e os danos materiais caso a região venha a ser novamente atingida por uma tragédia semelhante.
Há exatos quatro anos, em 11 de março de 2011, um terremoto de 9 graus de magnitude (o maior já registrado no Japão) provocou um imenso tsunami, com ondas que atingiram até 40,5 metros e avançaram por terra.
Mais de 18 mil pessoas morreram ou continuam desaparecidas, e mais de 1 milhão de construções foram destruídas ou danificadas. Em Fukushima, o desastre provocou um acidente nuclear, contaminando parte da região. O estrago provocado pela tragédia é estimado em US$ 210 bilhões.
Terceiro país mais rico do mundo, o Japão levou até seis meses para restabelecer os serviços básicos em algumas regiões. Em alguns locais, a retirada dos escombros terminou há um ano. Desde então, foi possível começar as obras de reconstrução, incluindo a muralha.
POLÊMICA
Mas a iniciativa de erguer paredes nas águas de azul quase caribenho do nordeste japonês é polêmica, porque destrói a paisagem, traz impactos ambientais e tem a sua eficácia questionada.
"Aqui, construíram um muro de 8,6 metros, mas isso para um tsunami de 23 metros?", pergunta o líder comunitário e contador aposentado Kazuma Goto, 67, morador de Minamisanriku. "Queríamos casas novas antes desse muro, que não funcionará."
A cidade pesqueira perdeu 3,5% dos seus 17,4 mil moradores no tsunami e quase todas as construções. A maioria das antigas zonas residenciais não receberá mais moradores por estarem próximas ao nível do mar. Atualmente, há 5.500 desalojados em casas temporárias.
Até hoje, Goto vive em um abrigo comunitário de uma escola –danificada parcialmente pelo tsunami. Estão ali cerca de 180 pessoas, a maioria idosos. O líder explica que terão dificuldade para uma nova casa, já que o financiamento só é dado para quem tem até 60 anos.
Goto compara sua situação à do Chile, que visitou recentemente. "Lá, eles dão casa e terreno às vítimas do tsunami. Queria ter nascido chileno", ironizou.
Jun Imanishi, porta-voz da Agência de Reconstrução, afirma que a construção das barreiras é consensual. "Isso é decidido pelos cidadãos no plano de reconstrução de cada cidade. O objetivo é amenizar o impacto do tsunami, já que é impossível prevenir totalmente."
Goto, porém, discorda: "Tínhamos discussões sobre o projeto, mas era apenas formalidade. As casas deveriam ter sido a prioridade, e não foi assim", diz. "Deveriam ter consultado as pessoas para que voltassem a viver felizes."
Em Higashimatsushima, a 51 km de Minamisanriku, estão previstos dois grandes muros. A cidade foi uma das mais afetadas no Japão pelo tsunami: 65% da área urbana do município submergiu, e 1.109 pessoas morreram.
Como nevava na época da tragédia, muitas pessoas morreram de frio pela demora em conseguir socorro.
Na praia de Nobiru, um dos locais mais afetados da cidade, o tsunami chegou a 10,35 metros de altura e avançou sete quilômetros pelo continente, destruindo praticamente tudo.
Shiromi Suzuki, 52, vivia no balneário e agora mora em um abrigo temporário até conseguir sua nova casa.
"Fico com um pouco de pena de construírem esse muro, porque não poderemos mais ver o mar, mas tenho medo de acontecer de novo", diz.
RAQUEL LANDIM viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores do Japão;
FABIANO MAISONNAVE foi convidado da Agência de Cooperação Internacional do Japão.
Fonte:Folha Uol
Nenhum comentário:
Postar um comentário