Constantemente, Paula se questionava sobre como aquele cara havia entrado em sua vida. Naquele exato momento tentava se lembrar, mas os comprimidos já começavam a fazer efeito ficando difícil qualquer esforço de memória; como sempre, nos últimos tempos, o melhor era aquele pensamento de deixar pra lá e de literalmente não pensar em mais nada...
Apenas tinha consciência de que seus problemas começaram a partir do evento Robson e que ele ainda estava em sua vida...
Deitada no sofá, em meio à leve sensação da chuva batendo na janela, já sem forças, tentava se lembrar como ele foi parar lá, dava-se conta de o que naquele momento parecia ter sido um longo período de tempo, tinha acontecido em apenas dois anos. Pouco tempo para uma mudança tão radical em sua vida. Mais uma, pensou ela; a diferença, porém, apresentava-se em meio a um cenário devastador jamais vivenciado.
Pouco a pouco, suas recordações iam gradativamente tomando espaço e, como flashes sequenciais, dançavam em sua mente. A primeira imagem era a de Robson na sacada do seu apartamento contemplando a vista. No chão da sala, duas malas.
Em seguida, lembra-se do exato momento em que entrou em sua casa e a estranha sensação de que algo de muito errado estaria acontecendo, como se uma voz interior a avisasse do perigo que estaria prestes a acontecer. Ao mesmo tempo, relembra do quanto insistiu em não se dar ouvidos...
Recorda-se de sentir sua moradia invadida tanto quanto a si mesma. Lembra-se também do inequívoco momento da dispersão dessa sensação, quando viu Robson sorrindo, saindo da sacada, mostrando a mesa da sala de jantar organizada para dois, confundindo-a em sua percepção primeira e em seu mal-estar inicial... Mal sabia que a sua confusão perceptiva seria repetidamente vivenciada incontáveis vezes a partir daquela noite. Mal sabia que a banalização do fato de não ouvir sua voz interior poderia causar um dano emocional desastroso e sem precedentes em sua vida.
- Surpresa!
- Querida, está insuportável ficar longe de você. Estas foram as palavras inauguradoras das boas-vindas de si mesmo no território dela.
Naquela ocasião, ainda não havia percebido que sua privacidade acabara de terminar, apenas sobrara a intuição de que algo não estava nada bem, mas como se estivesse sob efeito de uma poderosa droga, seu mal-estar foi paulatinamente sendo diluído pela compensação do jantar, pelo carinho e pela atenção desvelada.
No final da noite, Paula convenceu-se de que estava apaixonada. Ou acreditava que estava. Vez ou outra, ainda um aviso silencioso teimava em lhe vir à mente, em assobiar nos seus ouvidos, mas nada que uma taça de vinho ou as conversas infindáveis de Robson não a fizessem, em instantes, esquecer-se de tudo o que antes parecia ser importante para si mesma. Era como se estivesse sob o efeito de alguma poderosa magia que tinha o poder de gradativamente ir mudando seus focos, seus objetivos, suas referências...
Mais vinho, mais conversas infindáveis, mais entorpecimentos... Mais esquecimento de si mesma. Robson tinha a habilidade de falar sem fim. Sua articulação verbal chegava a ser teatral. Paula sentia-se literalmente encantada com o espetáculo que a conversa de Robson promovia. E a contaminação já estava acontecendo a todo vapor. Injetada em suas veias, impregnando cada respiração sua, cada espaço vazio do seu livre pensar. A degradação de sua personalidade fora inaugurada e exatamente por conta disso, mais e mais era difícil para ela reconhecer o que de fato estaria ocorrendo consigo mesma.
(Trecho do livro Sequestradores de Almas,
de Silvia Malamud)
Fonte: STUM
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