Um homem aguarda enquanto o navio cargueiro Ezadeen chega ao porto de Corigliano, no sul da Itália, trazendo centenas de migrantes.
Os dois "navios fantasmas" encontrados na semana passada aproximando-se da costa italiana com centenas de migrantes a bordo, mas sem qualquer tripulante, são apenas o sintoma mais recente de algo que especialistas veem como a maior onda de migração em massa vista no mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
As guerras na Síria, Líbia e Iraque, a repressão grave na Eritreia e a espiral de instabilidade em boa parte do mundo árabe, tudo isso contribuiu para o deslocamento de cerca de 16,7 milhões de refugiados em todo o mundo.
Outros 33,3 milhões de pessoas estão "internamente deslocadas" em seus próprios países em guerra, obrigando muitos naturais do Oriente Médio a atravessar o Mediterrâneo, um mal menor, de maneiras cada vez mais perigosas, na esperança distante de uma vida melhor na Europa.
"Esses números não têm precedentes", disse Leonard Doyle, porta-voz da Organização Internacional de Migração. "Em termos de refugiados e migrantes, não se vê nada como isto desde a Segunda Guerra Mundial, e mesmo então o fluxo de migração se dava no sentido contrário."
Políticos europeus pensam que podem desencorajar migrantes de atravessar o Mediterrâneo, simplesmente reduzindo as operações de resgate. Mas os refugiados dizem que a escala da turbulência no Oriente Médio, incluindo nos países onde eles inicialmente buscaram refúgio, não lhes deixa outra opção senão arriscar suas vidas no mar.
Mais de 45 mil migrantes arriscaram suas vidas em 2013, atravessando o Mediterrâneo para chegar à Itália e a Malta, e 700 morreram na tentativa. O número de mortos multiplicou-se por mais de quatro em 2014, chegando a 3.224.
"Conhecemos pessoas que morreram -elas moravam conosco", contou Qassim, refugiado sírio no Egito que agora quer chegar até a Europa. "Mas vamos tentar novamente atravessar o mar, porque não há vida aqui para nós, sírios."
Inicialmente, o Egito recebeu de braços abertos até 300 mil refugiados da guerra síria. Mas, depois da repentina mudança de regime no Cairo, no verão de 2013, o ambiente mudou drasticamente, levando ao surgimento de xenofobia declarada contra os sírios e ao aumento dos casos de prisão e detenção de sírios que, por razões compreensíveis, não portam os documentos necessários de residência no país.
A situação é ainda pior na Jordânia e no Líbano, que hoje abriga mais de 1 milhão de refugiados sírios -mais de um quinto de sua população total.
A presença deles sobrecarregou os recursos naturais de modo que não tem precedentes, levando o governo libanês, na semana passada, a intensificar as restrições à entrada de sírios no país. E, embora a Turquia tenha tomado iniciativas simultâneas para reforçar os direitos dos refugiados, é provável que sua costa continue a ser uma plataforma de lançamento de migrantes interessados em chegar à Europa, tanto devido ao custo de vida comparativamente alto no país quanto à xenofobia crescente, especialmente no sul.
A Líbia, outro ponto importante na rota da migração vinda do Oriente Médio e norte da África, deixou de ser um refúgio seguro desde que uma guerra civil eclodiu no país, no ano passado. A situação dificílima dos refugiados na Líbia e em toda a região desmente os argumentos daqueles que sugerem que a onda de migração seja causada simplesmente por migrantes econômicos.
"Se eles são migrantes econômicos", comentou Doyle, "como explicar que, depois de cada surto de violência e repressão, recebemos uma nova onda de pessoas vindas da região onde esse surto acaba de acontecer? Por que será que na enorme catástrofe de setembro no Mediterrâneo, foram palestinos que morreram afogados, apenas duas semanas após a guerra entre Gaza e Israel? E por que será que desde o ano passado vemos um fluxo constante de pessoas vindas da Eritreia, quando sabemos que esse país passa por problemas sérios?"
Mas esses argumentos ainda não convenceram o governo britânico, que em outubro passado se recusou a ajudar nas operações de resgate de migrantes no Mediterrâneo e que em junho admitiu ter recebido menos de 150 refugiados sírios.
Tradução de CLARA ALLAIN
Fonte: Folha de SP
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